Mate: a herança dos guaranis
Hélio de Mattos Alves
1º de abril de 2020
A erva-mate (Ilex paraguariensis, Aquifoliaceae), classificada em 1820 pelo naturalista francês Saint-Hilaire, está intimamente ligada ao período pré-colonial, quando as populações indígenas guaranis habitavam a região definida pelas bacias dos rios Paraná, Paraguai e Uruguai, na época da chegada dos colonizadores espanhóis. Da metade do século XVI até 1632 a extração de erva-mate era a atividade econômica mais importante da Província del Guairá, território que abrangia praticamente o Paraná (três cidades espanholas e 15 reduções controladas pelos jesuítas).
Segundo uma lenda, existia um velho guerreiro guarani, que devido a idade avançada, estava fora dos combates, da caça ou pesca, e vivia isolado com sua bela filha Yari, que dedicava todo seu tempo para cuidar dele com muito carinho. Um dia, Yari e seu pai receberam a visita de um viajante desconhecido, a quem deram toda a acolhida, alimento e descanso. Para acalentar o repouso do viajante, a jovem entoou um belo canto suave, mas muito triste. No dia seguinte pela manhã, o viajante declarou que era um enviado de Tupã e que para retribuir-lhes toda aquela hospitalidade atenderia a qualquer desejo. O índio guarani, sabendo que sua jovem filha se isolara para poder cuidar dele, pediu que lhe fossem devolvidas a força e a vitalidade, para que sua filha Yari se tornasse livre. E o mensageiro de Tupã entregou ao índio um galho de árvore de Caá, ensinando-lhe a preparar uma bebida que lhe devolveria todo o vigor. Para completar, transformou Yari em Caá-Yari - a deusa da erva-mate e protetora da raça guarani. E foi assim que a erva-mate passou a ser usada por todos os guerreiros da tribo, tornando-os mais fortes e valentes.
As folhas após a coleta são estabilizadas por um processo chamado sapecagem e após moagem são utilizadas como bebidas alimentícias e estimulantes: chá, chimarrão, tererê, enfim, de acordo com as regiões que são consumidas.
Após secagem, estabilização e pulverização, as folhas apresentam em sua composição as metilxantinas cafeína (0,7-2,3%) e teobromina (0,3%), além de ácido clorogênico e saponinas triterpênicas – as matesaponinas.
Estudos in vitro e in vivo atestam que a Ilex paraguariensis apresenta efeitos antioxidantes, prevenindo a oxidação do DNA e lipoperoxidação do LDL, e atividades hipocolesterolêmica, hepatoprotetora e diurética. Entretanto, em um estudo desenvolvido com pacientes obesos, foi oferecida uma preparação farmacêutica contendo uma associação entre erva-mate - Ilex paraguariensis (336 mg), guaraná - Paullinia cupana (288 mg) e damiana - Turnera diffusa (108 mg). Ao final de 45 dias de intervenção, concluiu-se que houve retardo no esvaziamento gástrico e perda de peso, porém estes efeitos não podem ser atribuídos a Ilex paraguariensis isoladamente, já que o estudo foi realizado com uma associação de plantas.
Num estudo com ratos, os animais foram divididos em grupos: o grupo experimental tinha como única forma de hidratação o extrato de erva-mate (70 g/L de água), enquanto o grupo controle recebia apenas água. Ambos os grupos receberam ração padrão à vontade. Nos tempos zero, quatro e oito semanas, os animais foram colocados em gaiolas metabólicas para avaliar a ingestão alimentar, hídrica, volume de diurese e fezes. Nesses mesmos períodos, eram aferido o peso e coletadas amostras de sangue para quantificar triglicerídeos e colesterol total plasmáticos. No grupo tratado, o colesterol total e triglicerídeos apresentaram, após quatro semanas de tratamento, uma diminuição significativa. A quantidade de gordura abdominal foi significativamente menor nos animais tratados. A ingestão alimentar, hídrica, diurese, fezes e peso dos animais não apresentaram diferenças significativas, nos diferentes tempos de experimento. Os resultados atestam que não há qualquer comprovação que correlacione o consumo de Ilex paraguariensis com o tratamento da obesidade. Estudos mais robustos são ainda necessários para confirmação seus benefícios.
A procura por tratamentos com fitoterápicos e plantas medicinais tem ganhado força, principalmente para o tratamento da redução de peso, entretanto existem poucos estudos científicos sobre o assunto. Na ANVISA existe um registro de um fitoterápico PHOLIANEGRA™. Para estes fitoterápicos emagrecedores são necessários mais estudos mostrando a segurança e eficácia desses produtos. No entanto, a maior parte é vendida sem nenhuma fiscalização e controle nos comércios eletrônicos como suplementos alimentares, com peças publicitárias que atribuem indicações farmacológicas, contrariando a legislação sobre licenciamento desses produtos pela ANVISA e induzindo o autotratamento e a automedicação, que podem colocar a saúde dos usuários.