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Maçã: de Adão e Eva no paraíso até a nossa mesa

Victor Guimarães
16 de maio de 2024

Os feitos por Adão e Eva ao comerem do fruto proibido os levaram a expulsão do paraíso, conforme a narrativa cristã, como explicitada a seguir.

“[...] Ora, a serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o Senhor Deus tinha feito. E ela perguntou à mulher: "Foi isto mesmo que Deus disse: 'Não comam de nenhum fruto das árvores do jardim'?" Respondeu a mulher à serpente: "Pode­mos comer do fruto das árvores do jardim, mas Deus disse: 'Não comam do fruto da árvore que está no meio do jardim, nem toquem nele; do contrário vocês morrerão' ". Disse a serpente à mulher: "Certamente não morrerão! Deus sabe que, no dia em que dele comerem, seus olhos se abrirão, e vocês, como Deus, serão conhecedores do bem e do mal". Quando a mulher viu que a árvore parecia agradável ao paladar, era atraente aos olhos e, além disso, desejável para dela se obter discernimento, tomou do seu fruto, comeu-o e ­o deu a seu ma­rido, que comeu também” (Gênesis 3, 1-6).


Mas afinal de contas, que fruto é esse?

Maçã! Certamente, se você escutou essa narrativa do livro do Gênesis, irá associar a esse fruto. Embora a narrativa do Éden diga “fruto do conhecimento do bem e do mal” ou “proibido” em outras traduções, a sua difusão como sendo sinônimo de maçã se deu por volta do ano de 1667. O principal responsável foi o inglês John Milton, o qual cita duas vezes em sua obra “Paraíso Perdido” (Paradise Lost), a maçã como o fruto do pecado. Essa ideia foi embasada com a tradução equivocada do trecho bíblico, pois a palavra malus em latim significa tanto “mal” quanto “maçã”. Baseado nisso, Jerônimo, um escriba, fez a tradução bíblica do hebraico para o latim, conforme solicitado pelo Papa Dâmaso I durante o seu pontificado entre os anos 366 e 384 d.C. Contudo, o texto original em hebraico traz a palavra “peri”, que quer dizer fruto. Anteriormente a publicação do poema de Jonh Milton, a interpretação de fruto proibido poderia ser interpretada como diferentes frutos, tais como se enumera aqui: romã, uva, damasco, trigo, cidra e figo. Inclusive, se verificarmos uma das obras-primas do artista Michelangelo na Capela Sistina, criada entre os anos de 1508 e 1512, verificamos que a pintura da passagem bíblica citada traz a serpente enrolada em um pé de figueira. No entanto, a obra que se propagou foi a do alemão Albrecht Dürer, produzida em período próximo, em 1504, retratando Adão e Eva ao lado de uma macieira, onde a serpente lhes oferecera o fruto. Aqui, fica esclarecido uma pouco da bagunça da maça como sinônimo de fruto do pecado.


A maçã além do contexto cristão, recebeu ao longo da história vários significados. Para a cultura céltica, representa o conhecimento e imortalidade, o que vai de encontro à narrativa bíblica. Na literatura, temos um dos mais famosos contos, o da Branca de Neve. Conta a história que, uma certa vez, uma bruxa envenenou uma maçã e ofereceu-a à Branca de Neve, a qual caiu em sono profundo após comê-la. Esse encanto só poderia ser quebrado por um beijo de amor verdadeiro. Aqui, vemos a introdução de um catecismo sobre o fruto do “pecado” desde a infância. A mação foi ainda a motivação de grandes homens na história. Por exemplo, o físico Isaac Newton, teve sua descoberta sobre as leis da gravidade ao se sentar debaixo de uma macieira e ter sua cabeça atingida pelo fruto. Não muito distante, temos a marca Apple, simbolizada por uma maçã mordida. Por incrível que pareça, a marca para uma das maiores empresas do mundo é inspirada no sítio onde se reuniam que, por sua vez, era de produção de maçãs, como comenta Steve Jobs em seu documentário. Além disso, por muitos e muitos anos, oferecer uma maçã aos professores era um hábito comum pelos alunos. Esse costume surgiu no século XVI na Europa e pode ser percebido em alguns filmes e seriados. Se analisarmos, todas essas diferentes representações estão ligadas ao conhecimento, reforçando o seu significado primeiro.


Até então, aqui discutimos sobre os aspectos simbólicos acerca da maçã. Mas, qual seria sua origem? A maçã é originária do Cáucaso, cadeia de montanhas da Ásia e do leste da China. Ela é pertencente à família Rosacea, subfamília Maloida (Pomidae). Curiosamente, o nome Pomidae, remete à lenda do pomo-de-Adão. Reza a lenda que Adão teria se engasgado com a maçã recebida de Eva, tornando-se um sinal de castigo para o homem a presença do popular “gogó”. A primeira espécie descrita da maçã, foi a Malus siervesii. Embora vários nomes sejam concebidos para a espécie, o único nome aceito em convenção internacional publicada para primeira espécie cultivada é a Malus domestica


Botanicamente, é classificado como pseudofruto. Isso, porque a parte comestível é originária do tecido de sustentação, denominado de pedúnculo. O fruto, de fato, é parte interior, mais resistente e que alberga as sementes, sendo originário do ovário. Resumidamente, seria a parte que as pessoas, geralmente, descartam. Atualmente são mais de 7.500 espécie e cultivares do fruto. A macieira é uma arvore frondosa, distribuída por todo o mundo. Presume-se que o desenvolvimento das cultivares atuais tenham advindo há mais de 20.000 anos de domesticação e hibridização da espécie. Acredita-se que ganhou as prateleiras de todo o mundo com o advento das navegações, em especial, no século XVII, ganhando as Américas por meio dos colonizadores. Embora seja adaptada ao clima frio para a sua brotação e reprodução, diferentes técnicas tem sido implementadas, garantindo o sucesso do fruto ao longo de todo o ano e em diferentes regiões. No comercio atual, está entre os quatro frutos mais produzidos no mundo, sendo a China a liderar o ranking, enquanto o Brasil ocupa a 13° posição.


O favoritismo pela maçã como um dos frutos mais comercializados do mundo está no seu sabor e composição nutricional, claro, associados à praticidade do seu consumo. É rica em água, vitaminas, mineirais e, principalmente, fibras. A pectina, um heteropolissacarídeo, é a fibra majoritária presente na casca. Ela é responsável por inúmeros efeitos benéficos a saúde. Esse tipo de fibra está associada à redução do colesterol por meio da diminuição da absorção das gorduras no trato gastrointestinal. Consequentemente, há a diminuição de problemas cardiovasculares pelos baixos níveis da deposição de gordura nos vasos sanguíneos. Associado a isso, atua no balanço hidroeletrolítico devido ao seu alto teor de potássio. Ainda, a pectina atua como laxativo por absorver água e liberá-la durante a produção das fezes. Contudo, a ingestão de água de forma regular se faz importante, caso contrário, gera constipação. 


A maçã também é rica em metabólitos secundários como polifenois, fitoesterois e triterpenos pentacíclicos. Esses metabólitos estão associados aos seus principais efeitos bioativos como anti-inflamatório, antioxidante, anticancerígeno e neuroprotetor. As subsâncias majoritárias são o ácido clorogênico e o ácido cafeico, embora seus níveis variem para cada cultivar. Dentre os compostos presentes na maçã, destacamos o ácido málico. Esse composto tem como característica a preservação do sabor em alimentos e regulação do pH. 


Devido aos seus efeitos, tem sido amplamente explorado pela indústria como aditivo em alimentos, além de aplicações cosméticas direcionadas à pele. A maçã possui a quercetina (casca) e o ácido di-hidroxibenzoico (DHBA) (polpa), os quais ajudam a reduzir a morte celular causada pela oxidação e inflamação dos neurônios, prevenindo, inclusive, a doença de Alzheimer. 


É fato que conceber o conhecimento a maçã não pode, mas manter essa maquinaria conservada sim! Será que o erro histórico não foi bem assertivo?


***

Referências:

Zierer, A. Significados medievais da maçã: Fruto proibido, fonte de conhecimento, ilha paradisíaca. Mirabilia, v. 1, p. 1-20, 2001.

Petri, J. L.; Leite, G. B. Macieira. Revista Brasileira de Fruticultura, v. 30, n. 4, p. 1-3, 2008. https://doi.org/10.1590/S0100-29452008000400001

Patocka, J.; Bhardwaj, K.; Klimova, B.; Nepovimova, E.; Wu, Q.; Landi, M.; Kuca, K.; Valis, M.; Wu, W. Malus domestica: A review on nutritional features, chemical composition, traditional and medicinal value. Plants, v. 9, n. 11, e1408, 2020. https://doi.org/10.3390/plants9111408

Hyson, D.A. A comprehensive review of apples and apple components and their relationship to human health. Adv. Nutr. v. 2, n. 5, p. 408-420, 2011. doi: 10.3945/an.111.000513.

Apples, doi: 10.1007/978-1-4020-6907-9-1. In book: Temperate fruit crop breeding: Germplasm to genomics, Chapter: Apples. Publisher: Springer, Kluwer Academic Publishers, Dordrecht, The Netherlands. Editors: James F. Hancock https://www.researchgate.net/publication/257826786_Apples

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