Henna não é só para tingir os cabelos!
Nina C. Barboza da Silva
26 de novembro de 2020
Você já se perguntou de onde vem a Henna usada para colorir os cabelos e para aquelas tatuagens temporárias? Pois bem, já começo lhe dizendo que aquela Henna de cor preta não é natural, mas sim acrescida de pigmentos, na maioria das vezes sintéticos e até tóxicos. A verdadeira Henna é produzida a partir das folhas secas da espécie Lawsonia inermis L. (Lythraceae). Trata-se de arbusto ou árvore de pequeno porte, entre 2-8 m de altura, nativa da região entre o Irã e o Norte da Índia, e amplamente cultivada para fins comerciais no Egito, Índia, Sudão, Paquistão e Irã. O extrato aquoso das folhas secas tem uma coloração vermelho-laranja, cujo componente principal é a lawsona, uma 2-hidroxi-1,4-naftoquinona presente de 1 a 2% nas folhas secas da planta. As tinturas de cabelo contêm no máximo 20% de pó de Henna suspenso em 80% de água. Além do uso para tingir os cabelos e adornar a pele, é utilizada como pigmento de tecidos.
Não se sabe com precisão onde se originou a tradição do uso da Henna, porém alguns historiadores argumentam que ela vem sendo usada há pelo menos 5.000 anos, tanto para fins cosméticos quanto medicinais. Achados arqueológicos indicaram a presença da Henna nos cabelos de diversas múmias egípcias, dentre elas a de Ramsés II, sugerindo que os embalsamadores tingiam o cabelo dos faraós. Foram encontrados também desenhos na pele das múmias, o que alguns pesquisadores afirmam ter relação com a crença entre os antigos egípcios e também de outros povos em todo o mundo, de que as substâncias vermelhas derivadas de fontes naturais como a Henna tinham qualidades que ajudavam as pessoas a manter contato com sua espiritualidade.
Fato é que até os dias atuais, desenhar o corpo com a pasta da Henna é considerada uma forma de expressão e beleza, sendo uma forma de arte chamada de Mehndi (este também é o nome da planta em hindi, umas das principais línguas faladas atualmente na Índia). Esses desenhos tradicionais podem levar horas para serem criados e fazem parte da tradição em várias celebrações e eventos especiais em diferentes culturas, como por exemplo na Índia. Uma das celebrações onde desenhar o corpo com Henna faz parte quase obrigatória é a “Noite de Mehndi”. É um momento que antecede os casamentos e quando a família e os amigos da noiva se reúnem para celebrar o matrimônio. É uma noite repleta de jogos, música e performances ensaiadas que continuam enquanto a noiva aplica desenhos de Henna nas mãos e nos pés, estendendo-se até os cotovelos e panturrilhas. Os convidados também ganham pequenos desenhos, geralmente nas costas das mãos. A tradição diz que quanto mais tempo a tatuagem permanecer, melhor será o casamento e mais amor haverá entre os noivos. Esta prática, apesar de não pertencer diretamente a uma religião especifica, podendo ser observada entre os muçulmanos, judeus e islãs, na tradição Hindu é considerada tão necessária quanto o vestido da noiva, sendo auspiciosa, ajudando a afastar os olhos malignos e representando um presente para novas noivas. O Mehndi é parte integrante de muitas outras celebrações além dos casamentos: noivados, nascimentos, nomeações, no Diwali (festival das luzes, celebrado uma vez ao ano e quando as pessoas usam roupas novas, dividem doces e queimam fogos de artifício) etc.
A Henna também é uma planta com propriedades frias, que serve para refrescar o corpo nas estações mais quentes sendo aplicada na forma de uma pasta na consistência de uma argila fina, ajudando a promover a sensação de resfriamento. Isso pode parecer estranho hoje em dia, mas imaginem só como os diferentes povos antigos da região do Egito e Índia faziam para amenizar o calor do verão sem ar-condicionado ou ventiladores. Será que daí nasceu também a ideia de desenhar na pele durantes as festas como os casamentos? Porque quem já viu um casamento indiano, mesmo que nos filmes de Bollywood, sabe que tem muita música, dança e suor!
Brincadeiras à parte, a Henna possui propriedades medicinais descritas em vários textos antigos como os Vedas e o papiro de Ebers. No Ayurveda é conhecida por Madayantika ou Madaganti, sendo considerada como pacificadora dos doshas Kapha e Pitta. Não só as folhas são usadas, mas também flores, frutos e sementes. É indicada nos problemas de pele, úlceras, contra febre, sangramentos, dentre outras condições, sempre analisadas de acordo com a racionalidade própria do Ayurveda. A pasta das folhas de Henna pode ser aplicada em áreas localizadas para diminuir dores de cabeça, sensação de queimação nas extremidades do corpo e dores articulares. O gargarejo com suas folhas promove alívio de dores de garganta; a infusão à frio dos frutos é indicada para combater a insônia; a decocção das folhas é dita promotora da inteligência. A ciência moderna tem demonstrado que a Henna apresenta significativo efeito hepatoprotetor, antioxidante, anti-inflamatório, analgésico, adaptogênico e antimicrobiano. Esta última propriedade tem relação com uma história que me contaram lá na Índia, de que as mulheres colocavam folhas de Henna entre os dedos enquanto preparavam os alimentos ou realizavam alguns tipos de trabalho manual como uma forma de protegerem pequenos cortes e machucados de infecções. Daí fica aquela pergunta: será que a tradição de aplicar a Henna nas mãos seria apenas uma forma de adorno ou teria nascido de seu uso como medicinal? Acho que nunca saberemos a resposta...